quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Se educar para o exercício do poder. Uma contribuição ao debate político.

O poder existe desde que o planeta terra foi habitado. E é exercido em todos tipos de organização social, em toda a relação humana, não existe sociedade sem poder, mesmo nas formas que a antropologia política chama de primitivas. As relações de poder nascem naturalmente dentro de toda sociedade. O poder político vai surgir de modo universal com o nascimento do Estado, e ele terá a responsabilidade de definir as regras sociais que estabelecem as relações entre os concidadãos. Ele repousa na vontade de organizar, proteger e assegurar a vida em sociedade. Anteriormente, o poder pertencia exclusivamente a alguns homens. Com o Estado nascem as instituições e os regimes políticos modernos que, por princípio, foram criados para por fim ao sistema de poder pessoal.
O poder é uma palavra completamente rebelde para se definir, ela pode se apresentar como um nome comum que se esconde atrás de um nome próprio PODER. O Poder designa uma capacidade de agir direta e indiretamente sobre as coisas ou sobre as pessoas, sobre objetos, sobre as vontades. O Poder de ter a capacidade de fazer alguma coisa, o Poder de como fazer. O filósofo e psicólogo francês Michel Paul Focault, foi quem melhor analisou como os mecanismos de poder operam na sociedade. Sua reflexão sobre o poder vai muito mais além da esfera publica e política, ele aprofunda a discussão sobre o poder em outros âmbitos da vida social, seja na família, na vida de um casal, na relação com os companheiros (as), nos distintos espaços da vida como no trabalho, no partido político, numa organização social, enfim em qualquer espaço de interação sócio-individual. Para resumir, segundo Foucault o poder estar na base de todas as nossas praticas sociais.
O poder não é algo que possuímos, é uma relação entre dois parceiros ou mais pessoas, logo que as relações se estabelecem, as forças que dispõem, por exemplo, os dois parceiros criam um campo de poder, que podem se afrontar ou dialogar, criando uma correlação de forças. O poder está presente numa multitude de relações microsociais e jamais será exercido sem resistência. Mas o poder obedece também a regras sociais, umas são institucionais outras sócio-culturais e por vezes interiorizadas pelos indivíduos. Daí certos comportamentos podem ser adotados espontaneamente pela sociedade que passa a julgar normal, por exemplo, certo abuso do poder. O Brasil estar cheio de exemplos!
O poder político no Brasil
A sociedade brasileira foi durante séculos, caracterizada como uma estrutura autoritária de poder, os governantes bloquearam a participação e criação de direitos. A burocracia brasileira, nunca foi uma forma de organização no sentido de agilizar o funcionamento da maquina estatal. Ao contrario, ela instala uma forma de poder altamente hierarquizado, com uma cadeia de comando, quem estar no nível superior detém os conhecimentos, estes conhecimentos, devem permanecer desconhecidos para seus subordinados que também tem seus subalternos. Privados de conhecimentos, eles não inovam e nem fazem uso de criatividade, eles foram contratados para obedecer às ordens dos escalões superiores. Assim se caracterizou o poder dos altos funcionários públicos, na lógica de que quem detém o saber detém o poder. Quanto mais ignorante é o povo, mas fácil será de manipula-lo.
O poder burocrático exercido pela hierarquia é dificilmente assimilado com o poder democratizado no qual o cidadão funcionário age em função da igualdade dos direitos e se torna um defensor do bom funcionamento da maquina estatal. Infelizmente, essa concepção de burocracia como forma de poder vai se instalar também em alguns partidos políticos.
O poder na historia política do Brasil vai ser praticado como uma forma de tutela e de favor, sem mediações políticas e sociais, o governante é sempre aquele que detém o poder, o saber sobre a lei e sobre o social privando os governados dos conhecimentos, criando-se assim uma relação clientela e de favor. Essa pratica de poder vai contribuir para propagação do vírus da corrupção em todos os níveis de poder da republica brasileira. E infelizmente, o poder político vai ser assimilado como sinônimo de corrupção. O abuso de uso da máquina pública faliu o Estado Brasileiro e, hoje, restaurar um verdadeiro Estado democrático e cidadão é o maior desafio para a República Brasileira.
O problema é saber o que queremos fazer com o poder que cada um de nós pode exercer sobre o outro (a) e como cada um de nós se relaciona com o poder. Hoje já existem vários estudos sobre como aprofundar o sistema democrático no Brasil, entretanto não se analisa como o poder é distribuído na sociedade. Se ampliarmos a cidadania civil, política, social, na certa estaremos contribuindo para a emergência de uma sociedade civil organizada com capacidade de ter um maior controle social sobre o Estado. Este poder dos cidadãos organizados e legitimamente representados na esfera publica, pode ser sano para o fortalecimento da democracia e de mudar nossa relação com o poder. Eleger alguém quer dizer exercer um poder de escolher os ocupantes temporários do governo. A democracia é fundada na noção dos direitos entre governados e governantes. Daí a exigência de vigilância do poder político. As desigualdades sociais expressam também desigualdades de poder.
O papel preponderante da educação:
Vale relembrar o que o filósofo, psicólogo Foucault dizia: “Todo lugar de exercício do poder é ao mesmo tempo um lugar de formação do saber”. A construção do poder democrático e ético no Brasil é um desafio a ser vencido e deveria ser ensinado como educação cívica nas escolas públicas (do primário ao secundário), para que desde cedo nossos jovens possam aprender o que é o Poder, qual a função do poder político, quais são as qualidades necessárias para o exercício do poder político. Se não somos educados para lidar com o poder, ele poderá nos corromper facilmente.
Os jovens brasileiros devem aprender o que representa o Estado, essa abstração teórica criada pela inteligência humana, o que é um Bem Público, e como cidadão quais são os deveres e obrigações frente à República e como exigir seus direitos. Apreender que é o Estado e sua relação com a sociedade civil é fundamental para construir um poder político democrático. O cidadão não é um consumidor dos serviços prestados pelo o estado, ele é um cidadão com direitos e deveres. Como concidadãos devem pagar os impostos corretamente e exigir que o orçamento público oriundo dos impostos possa ser aplicado com critérios e honestidade. Os governantes devem ser cobrados se as metas programadas nos planos não forem cumpridas tendo em vista as verbas alocadas. A constituição brasileira assegura por exemplo, ao contribuinte cidadão o direito de exigir transparência dos gastos públicos no plano municipal. “As contas dos municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei”.
Como cidadãs e cidadãos não devemos perder a capacidade de se revoltar, de se indignar frente ao poder corrompido e às injustiças ligadas ao modo de lidar com o poder. Lutar pelo resgate da ética na política continua de atualidade.
A verdadeira revolução é aquela que tem um papel construtivo e educadora. As reformas não reformam quando os atores do desenvolvimento não estão preparados ao exercício da cidadania e do poder. Nesse sentido o governo Lula, deveria tirar aprendizado da metodologia de educação popular de nosso saudoso Paulo Freire. A educação popular fornece instrumentos pedagógicos para que seja possível codificar e decodificar a realidade brasileira. A luta contra a exclusão começa quando o excluído vira sujeito-cidadão e acaba participando ativamente no processo coletivo de mudanças.
Se educar para o exercício do poder é uma tarefa prioritária para todos que exercem na esfera publica ou privada algum poder. E para o cidadão e cidadã uma boa formação de educação cívica para entender o poder político e a coisa publica passa a ser urgente e prioritário a fim de poder decifrar a realidade em que vive, saber exercer seus direitos e cumprir com as obrigações face ao Estado democrático.
Marilza de Melo Foucher
Consultora Internacional
Dra. em economia (Sorbonne-Paris), especializada em desenvolvimento territorial integrado e sustentável.

Um comentário:

Rafael disse...

Sra. Cabocla,discuti hoje com um amigo da faculdade sobre a necessidade de se educar para o exercício do Poder. Me interessei pelo assunto e por isso vim procurar na internet alguma coisa sobre o tema. Contudo, para meu espanto, não achei no Google, em uma pesquisa superficial, grandes número de informação sobre o tema "Educação para o Poder", o que se encontra é a penas "O poder da educação". Daí porque até agora só achei o seu texto que verse sobre os assuntos tratados por nós. Lí seu texto e achei interessante, acredito como a senhora ser necessário uma educação para o poder, entretanto minha dúvida é justamente como fazer isso? Como é possível nos educarmos para o exercício do poder? A verdade é que exercemos poder em cada uma de nossas relações, em nossos trabalhos, em nossas vidas; mas também é verdade que neste nosso Brasil não existe educação para o poder! Não há boa ou má escola que ensine tal matéria! E oh como é cara essa falta para aqueles que como eu estudam direito! Conhecimento é poder! Conhecimento de direito é poder puro! E como é possível neste nosso país escolas medíocres, preparando alunos com apostilas para o vestibular do Direito? Escolas que ensinam desde a pré-escola a se preocupar com o maldito Vestibular... e Essas boas Universidades tão concorridas, o que oferecem de volta? Educação? Como?! Nós é que somos responsáveis por nós mesmos, devemos nos formar enquanto pessoas, e essa briga pela vaga na universidade empurra nossa esperança por sucesso e reconhecimento para dentro dos muros da universidade..... E que adianta isso tudo para as questões de fundo que cercam os cursos universitários?