A emergência da esquerda democrática na América do Sul e equilíbrio geopolítico .
Contribuição para o debate no FSM-Caracas.
Marilza de Melo Foucher
Doutora em economia
Consultora internacional
O continente sul-americano foi submetido há vários séculos de exploração, dirigido por ditaduras, por governos populistas, por democratas oligárquicos, por governantes inescrupulosos, corrompidos, e à partir dos anos 80, no final do século XX, por adeptos do neoliberalismo. Esses governantes se diziam progressistas, intelectuais, mesmo sociólogo dito de esquerda, a exemplo do caso brasileiro que governou durante dois mandatos, até 2002. Todos cederam à formatação do pensamento único e se curvaram diante da governança mundial.
Durante mais de 20 anos os principais atores globais da “governança mundial” ditaram normas diretivas para regulamentar a doutrina econômica neoliberal na América do Sul. Definiram conjuntamente as regras de regulação internacional, interferindo na esfera da soberania dos Estados. Esses Estados face à globalização, teriam que garantir com eficácia a implantação de reformas de reajuste estrutural e se preparar para a abertura inevitável à macroeconomia. As condições propícias para a expansão do mercado global foram criadas, mas o que restou do continente sul-americano?
Com o passar do tempo, basta ler nos relatórios das agências multilaterais, inclusive Banco Mundial, a constatação é constrangedora, tendo em vista, que tal modelo não cumpriu sua promessa de crescimento econômico sustentado e nem tão pouco diminuiu as desigualdades sociais. O saldo foi extremamente negativo, os investimentos nas áreas sociais foram reduzidos de forma draconiana, a legislação trabalhista desrespeitada, as taxas de desemprego nunca foram tão elevadas, todos direitos sociais foram reduzidos, gerando uma exclusão social sem precedente, acirrando a violência nas áreas urbanas e rurais. Além do desmantelamento dos serviços públicos e saqueio das riquezas nacionais. Como responder aos desafios da democracia quando o papel do Estado se fragiliza no atendimento do cidadão e se fortalece para responder aos reclamos da política financeira sob controle dos grandes organismos internacionais e dos agentes transnacionais?
Face as múltiplas crises o despertar de uma cidadania política.
O avanço do neoliberalismo provocou uma explosão de descontentamento na região, e se transforma numa mobilização social de resistência ao neoliberalismo, que vai muito mais além dos protestos de rua, um verdadeiro desejo de mudanças é exprimido pelos atores sociais que passam a buscar alternativas reais para um outro desenvolvimento. A participação dos movimentos sociais na resistência ao neoliberalismo dentre estes o papel da CUT, do MST (Brasil), dos movimentos indígenas na Bolívia e no Equador, os zapatistas no México, CTA na Argentina, foram de extrema importância. Entretanto foi a articulação com os outros segmentos organizados da sociedade civil e partidos políticos que permitiu a possibilidade de transformar esses movimentos em força política, e dar a vitória aos governos de esquerda tanto ao nível local e recentemente ao nível nacional. Estar claro que não adianta por somente a pressão nas ruas, temos que ter estratégias de ação coordenada e capacidade para formular projetos políticos de governabilidade democrática.
Emergência de uma esquerda democrática.
As recentes eleições no continente confirmam a tendência em curso de fortalecimento da esquerda. A América do Sul obteve nesses últimos anos um considerável avanço da esquerda democrática. Segundo a afirmação de Evo Morales em sua passada recente em Paris, a esquerda hoje na América do Sul prefere as urnas no lugar das armas.
Isto não é fruto de um acaso, trata-se de resultado de um trabalho de educação popular, de consciência política, foram muitos anos de militância e de formação política. Aos poucos surgem novos políticos, uma nova cultura política vai modificando as relações de poder, entretanto estamos apenas começando...um longo caminho resta a percorrer.
Existem ainda muitas divergências no encaminhamento de agendas políticas, algumas contradições, ambigüidades, entretanto, a esquerda democrática avança no continente.
A nova governabilidade democrática que vai se instalando na América do Sul, pode e tem condições de viabilizar uma nova pratica de poder, basta vontade política para inovar o Estado e restaurar uma nova relação Estado/Sociedade Civil organizada, compondo desse modo um arco de alianças com todos os segmentos sociais organizados de sociedade nacional, e conjuntamente poderão definir e hierarquizar as prioridades, dentro da concepção de um desenvolvimento integrado, solidário e sustentável. As forças vivas do jovem continente serão suficiente para criar uma boa correlação de forças para tocar pra frente as reformas fundamentais.
Para os países em crises estruturais, esta talvez seja a única saída encontrada para construir um projeto de sociedade, edificar e redefinir o papel do Estado democrático face à imposição da governança mundial.
Vale ressaltar que este paradigma envolve uma re-conceituação, por conseguinte da sociedade civil e redefinição das funções do Estado democrático. Aí não se trata da autonomia dos cidadãos face ao Estado onipresente, intervencionista. E nem tão pouco da sociedade civil que se apresenta como contrapeso à potência do Estado, almejando ocupar os espaços vazios deixados pela esfera pública. Esta dicotomia foi muito explorada pelo modelo neoliberal e se propagou pelo mundo no intuito de desmantelar o Estado e diminuir a esfera da intervenção pública.
Trata-se de uma visão inovadora também da democracia. Ela se fundamenta sobre uma nova relação entre Estado e sociedade.
Os governos da esquerda democrática devem fortalecer esse tipo de aliança, isto não quer dizer aparelhamento das organizações sociais, elas devem permaneceram autônomas para exercerem a co-responsabilidade face a esfera publica. A pressão popular é salutar para avançar as reformas estruturais, tendo em vista que nem sempre se dispõe de maioria no parlamento, além disso os meios de comunicação pertencem em geral aos grandes grupos econômicos aliados da ideologia neo-liberal, e em geral fazem uso da desinformação e manipulação.
Não podemos criar ilusão e dizer que existe em todo a América do Sul uma nova sociedade civil organizada. Porém ela já é bastante expressiva, para dar sustentação governabilidade democrática e pôr em pratica um desenvolvimento integrado e sustentável. Quem são os novos representantes desta sociedade civil tão badalada nos dias atuais? Os novos representantes da sociedade civil organizada, são os atores locais que foram capacitados para o exercício da cidadania política e que passam a agir em grupos sociais organizados. Eles se mobilizam para influenciar na gestão de políticas públicas. Eles querem ter participação política e controle social sobre a condução política, cultural, econômica, social e ambiental do país. Essa dinâmica já existe em alguns paises, todavia está ainda restrita aos governos municipais, ressalta-se as municipalidades do PT no Brasil, essas experiências vão servir de referências em várias cidades do continente e até na Europa.
A geopolítica do desenvolvimento solidário entre os povos.
Se a vitória do candidatos de esquerda do México, Peru, Nicarágua se confirma, existe uma real possibilidade de se criar uma sinergia continental, capaz de promover um equilíbrio geopolítico sem hegemonias, pondo desta forma um basta à subordinação do continente aos interesses imperialistas.
Existe hoje entre os novos governantes da esquerda democrática (moderada e radical), uma convergência sobre a necessidade de uma integração política, econômica e social dos espaços regionais do Cone Sul e dos países andinos, eles estão dispostos a fortalecer a comunidade sul-americana das nações. Essa comunidade engloba 12 paises, cobre 17 milhões de Km2, agrupa 361 milhões de habitantes e representa um PIB de 970 bilhões de dólares.
Todavia, a definição de uma aliança estratégica entre o Brasil, a Argentina, o Chile, a Venezuela, já é suficiente para criar uma nova correlação de forças capaz de criar um equilíbrio geopolítico na região, acabando com o unilateralismo americano e com a integração com finalidade econômica e de segurança.
Vale ressaltar, que nenhum dos governos progressistas de esquerda, manifestaram intenção de romper laços com os Estados Unidos, eles tem expressado em varias ocasiões, o desejo de estabelecer regras pautadas em interesses mútuos que respeite a diversidade e soberania das nações.
Sabe-se que dificilmente um país sul-americano isolado, poderá confrontar as regras do funcionamento do sistema multilateral sob controle das grandes potências do norte.
Entretanto, se a maioria dos governantes consegue traçar uma boa estratégia de ação conjunta, eles podem redefinir as regras de uma cooperação multilateral que responda aos anseios de suas populações. E conjuntamente buscar alternativas pertinentes ao modelo neo-liberal. Afinal esse continente dispõe de um enorme potencial de riquezas, a começar pela multiplicidade de heranças culturais que produz uma sócio-diversidade que não existe em outro continente, diferentes tipos de solos que se adaptam a vários modos de exploração agrícola, riquezas minerais abundantes, um patrimônio ecológico importantíssimo que lhe reserva a maior biodiversidade do planeta. Todo um potencial subestimado e explorado em benefício de uma minoria. O ideal democrático de governar para todos, raramente foi aplicado na América do Sul, os poucos que tentaram foram severamente reprimidos ou isolados.
Uma integração a serviço dos povos sul-americanos: a utopia do possível – apropriar-se do espaço local para viver a integração regional à partir do exercício ativo da cidadania política.
A integração regional deve ser sinônimo de integração social, econômica, política e respeitosa das diversidades culturais e dos ecossistemas ambientais dos paises que a integram. Mesmo que o projeto inicial de integração se inspire no modelo da comunidade européia, os dois processos históricos de integração regional são distintos, em razão de suas especificidades geográficas, econômicas, sociais, culturais, políticas. A União Européia ainda hoje é um edifício inacabado que avança a pequenos passos, de bicicleta sem TGV (Trem Bala). Da união alfandegária, ao mercado comum, a união monetária...os preceitos da economia de mercado vão predominar na construção européia. Se de uma lado a integração econômica e monetária é tida como sucesso, não podemos dizer o mesmo com a Europa social e política. A integração européia fundada somente sobre a economia de mercado mostra hoje seus limites.
A comunidade das nações sul-americana deve ser portadora de um ideal humanístico e de um modelo de sociedade que mereça a adesão da grande maioria dos seus cidadãos. Os direitos humanos, a solidariedade social, o desenvolvimento territorial integrado e sustentável, a justa partilha dos frutos do crescimento econômico, o direito a um ambiente protegido, o respeito pela diversidade cultural, lingüística e religiosa devem constituir nosso precioso patrimônio de valores.
Devemos fazer da diversidade cultural nossa riqueza e do exercício ativo da cidadania nossa concepção de democracia.
As alternativas à globalização excludente vão depender da nossa capacidade de criar um novo universo político de transformação social de re-politização global da realidade. Isso ocorre quando a democracia representativa não esgota sua capacidade de mobilização e amplia a cidadania política criando uma relação de convivência político-social com os atores representativos da sociedade civil organizada. Uma sociedade civil emanada do exercício da cidadania política.
Não existe aventura humana sem defeitos e como dizia Dom Helder Câmara quando se sonha sozinho ainda não é um sonho, quando vários se põem a sonhar, já é uma realidade. A utopia compartilhada é que faz avançar a história. E resgate histórico sempre é necessário para avaliar e corrigir nossa trajetória e a utopia compartilhada é que nos faz avançar na concepção de um mundo mais solidário.
Marilza de Melo Foucher
Janeiro 2006-01-18
Contribuição para o debate no FSM-Caracas.
Marilza de Melo Foucher
Doutora em economia
Consultora internacional
O continente sul-americano foi submetido há vários séculos de exploração, dirigido por ditaduras, por governos populistas, por democratas oligárquicos, por governantes inescrupulosos, corrompidos, e à partir dos anos 80, no final do século XX, por adeptos do neoliberalismo. Esses governantes se diziam progressistas, intelectuais, mesmo sociólogo dito de esquerda, a exemplo do caso brasileiro que governou durante dois mandatos, até 2002. Todos cederam à formatação do pensamento único e se curvaram diante da governança mundial.
Durante mais de 20 anos os principais atores globais da “governança mundial” ditaram normas diretivas para regulamentar a doutrina econômica neoliberal na América do Sul. Definiram conjuntamente as regras de regulação internacional, interferindo na esfera da soberania dos Estados. Esses Estados face à globalização, teriam que garantir com eficácia a implantação de reformas de reajuste estrutural e se preparar para a abertura inevitável à macroeconomia. As condições propícias para a expansão do mercado global foram criadas, mas o que restou do continente sul-americano?
Com o passar do tempo, basta ler nos relatórios das agências multilaterais, inclusive Banco Mundial, a constatação é constrangedora, tendo em vista, que tal modelo não cumpriu sua promessa de crescimento econômico sustentado e nem tão pouco diminuiu as desigualdades sociais. O saldo foi extremamente negativo, os investimentos nas áreas sociais foram reduzidos de forma draconiana, a legislação trabalhista desrespeitada, as taxas de desemprego nunca foram tão elevadas, todos direitos sociais foram reduzidos, gerando uma exclusão social sem precedente, acirrando a violência nas áreas urbanas e rurais. Além do desmantelamento dos serviços públicos e saqueio das riquezas nacionais. Como responder aos desafios da democracia quando o papel do Estado se fragiliza no atendimento do cidadão e se fortalece para responder aos reclamos da política financeira sob controle dos grandes organismos internacionais e dos agentes transnacionais?
Face as múltiplas crises o despertar de uma cidadania política.
O avanço do neoliberalismo provocou uma explosão de descontentamento na região, e se transforma numa mobilização social de resistência ao neoliberalismo, que vai muito mais além dos protestos de rua, um verdadeiro desejo de mudanças é exprimido pelos atores sociais que passam a buscar alternativas reais para um outro desenvolvimento. A participação dos movimentos sociais na resistência ao neoliberalismo dentre estes o papel da CUT, do MST (Brasil), dos movimentos indígenas na Bolívia e no Equador, os zapatistas no México, CTA na Argentina, foram de extrema importância. Entretanto foi a articulação com os outros segmentos organizados da sociedade civil e partidos políticos que permitiu a possibilidade de transformar esses movimentos em força política, e dar a vitória aos governos de esquerda tanto ao nível local e recentemente ao nível nacional. Estar claro que não adianta por somente a pressão nas ruas, temos que ter estratégias de ação coordenada e capacidade para formular projetos políticos de governabilidade democrática.
Emergência de uma esquerda democrática.
As recentes eleições no continente confirmam a tendência em curso de fortalecimento da esquerda. A América do Sul obteve nesses últimos anos um considerável avanço da esquerda democrática. Segundo a afirmação de Evo Morales em sua passada recente em Paris, a esquerda hoje na América do Sul prefere as urnas no lugar das armas.
Isto não é fruto de um acaso, trata-se de resultado de um trabalho de educação popular, de consciência política, foram muitos anos de militância e de formação política. Aos poucos surgem novos políticos, uma nova cultura política vai modificando as relações de poder, entretanto estamos apenas começando...um longo caminho resta a percorrer.
Existem ainda muitas divergências no encaminhamento de agendas políticas, algumas contradições, ambigüidades, entretanto, a esquerda democrática avança no continente.
A nova governabilidade democrática que vai se instalando na América do Sul, pode e tem condições de viabilizar uma nova pratica de poder, basta vontade política para inovar o Estado e restaurar uma nova relação Estado/Sociedade Civil organizada, compondo desse modo um arco de alianças com todos os segmentos sociais organizados de sociedade nacional, e conjuntamente poderão definir e hierarquizar as prioridades, dentro da concepção de um desenvolvimento integrado, solidário e sustentável. As forças vivas do jovem continente serão suficiente para criar uma boa correlação de forças para tocar pra frente as reformas fundamentais.
Para os países em crises estruturais, esta talvez seja a única saída encontrada para construir um projeto de sociedade, edificar e redefinir o papel do Estado democrático face à imposição da governança mundial.
Vale ressaltar que este paradigma envolve uma re-conceituação, por conseguinte da sociedade civil e redefinição das funções do Estado democrático. Aí não se trata da autonomia dos cidadãos face ao Estado onipresente, intervencionista. E nem tão pouco da sociedade civil que se apresenta como contrapeso à potência do Estado, almejando ocupar os espaços vazios deixados pela esfera pública. Esta dicotomia foi muito explorada pelo modelo neoliberal e se propagou pelo mundo no intuito de desmantelar o Estado e diminuir a esfera da intervenção pública.
Trata-se de uma visão inovadora também da democracia. Ela se fundamenta sobre uma nova relação entre Estado e sociedade.
Os governos da esquerda democrática devem fortalecer esse tipo de aliança, isto não quer dizer aparelhamento das organizações sociais, elas devem permaneceram autônomas para exercerem a co-responsabilidade face a esfera publica. A pressão popular é salutar para avançar as reformas estruturais, tendo em vista que nem sempre se dispõe de maioria no parlamento, além disso os meios de comunicação pertencem em geral aos grandes grupos econômicos aliados da ideologia neo-liberal, e em geral fazem uso da desinformação e manipulação.
Não podemos criar ilusão e dizer que existe em todo a América do Sul uma nova sociedade civil organizada. Porém ela já é bastante expressiva, para dar sustentação governabilidade democrática e pôr em pratica um desenvolvimento integrado e sustentável. Quem são os novos representantes desta sociedade civil tão badalada nos dias atuais? Os novos representantes da sociedade civil organizada, são os atores locais que foram capacitados para o exercício da cidadania política e que passam a agir em grupos sociais organizados. Eles se mobilizam para influenciar na gestão de políticas públicas. Eles querem ter participação política e controle social sobre a condução política, cultural, econômica, social e ambiental do país. Essa dinâmica já existe em alguns paises, todavia está ainda restrita aos governos municipais, ressalta-se as municipalidades do PT no Brasil, essas experiências vão servir de referências em várias cidades do continente e até na Europa.
A geopolítica do desenvolvimento solidário entre os povos.
Se a vitória do candidatos de esquerda do México, Peru, Nicarágua se confirma, existe uma real possibilidade de se criar uma sinergia continental, capaz de promover um equilíbrio geopolítico sem hegemonias, pondo desta forma um basta à subordinação do continente aos interesses imperialistas.
Existe hoje entre os novos governantes da esquerda democrática (moderada e radical), uma convergência sobre a necessidade de uma integração política, econômica e social dos espaços regionais do Cone Sul e dos países andinos, eles estão dispostos a fortalecer a comunidade sul-americana das nações. Essa comunidade engloba 12 paises, cobre 17 milhões de Km2, agrupa 361 milhões de habitantes e representa um PIB de 970 bilhões de dólares.
Todavia, a definição de uma aliança estratégica entre o Brasil, a Argentina, o Chile, a Venezuela, já é suficiente para criar uma nova correlação de forças capaz de criar um equilíbrio geopolítico na região, acabando com o unilateralismo americano e com a integração com finalidade econômica e de segurança.
Vale ressaltar, que nenhum dos governos progressistas de esquerda, manifestaram intenção de romper laços com os Estados Unidos, eles tem expressado em varias ocasiões, o desejo de estabelecer regras pautadas em interesses mútuos que respeite a diversidade e soberania das nações.
Sabe-se que dificilmente um país sul-americano isolado, poderá confrontar as regras do funcionamento do sistema multilateral sob controle das grandes potências do norte.
Entretanto, se a maioria dos governantes consegue traçar uma boa estratégia de ação conjunta, eles podem redefinir as regras de uma cooperação multilateral que responda aos anseios de suas populações. E conjuntamente buscar alternativas pertinentes ao modelo neo-liberal. Afinal esse continente dispõe de um enorme potencial de riquezas, a começar pela multiplicidade de heranças culturais que produz uma sócio-diversidade que não existe em outro continente, diferentes tipos de solos que se adaptam a vários modos de exploração agrícola, riquezas minerais abundantes, um patrimônio ecológico importantíssimo que lhe reserva a maior biodiversidade do planeta. Todo um potencial subestimado e explorado em benefício de uma minoria. O ideal democrático de governar para todos, raramente foi aplicado na América do Sul, os poucos que tentaram foram severamente reprimidos ou isolados.
Uma integração a serviço dos povos sul-americanos: a utopia do possível – apropriar-se do espaço local para viver a integração regional à partir do exercício ativo da cidadania política.
A integração regional deve ser sinônimo de integração social, econômica, política e respeitosa das diversidades culturais e dos ecossistemas ambientais dos paises que a integram. Mesmo que o projeto inicial de integração se inspire no modelo da comunidade européia, os dois processos históricos de integração regional são distintos, em razão de suas especificidades geográficas, econômicas, sociais, culturais, políticas. A União Européia ainda hoje é um edifício inacabado que avança a pequenos passos, de bicicleta sem TGV (Trem Bala). Da união alfandegária, ao mercado comum, a união monetária...os preceitos da economia de mercado vão predominar na construção européia. Se de uma lado a integração econômica e monetária é tida como sucesso, não podemos dizer o mesmo com a Europa social e política. A integração européia fundada somente sobre a economia de mercado mostra hoje seus limites.
A comunidade das nações sul-americana deve ser portadora de um ideal humanístico e de um modelo de sociedade que mereça a adesão da grande maioria dos seus cidadãos. Os direitos humanos, a solidariedade social, o desenvolvimento territorial integrado e sustentável, a justa partilha dos frutos do crescimento econômico, o direito a um ambiente protegido, o respeito pela diversidade cultural, lingüística e religiosa devem constituir nosso precioso patrimônio de valores.
Devemos fazer da diversidade cultural nossa riqueza e do exercício ativo da cidadania nossa concepção de democracia.
As alternativas à globalização excludente vão depender da nossa capacidade de criar um novo universo político de transformação social de re-politização global da realidade. Isso ocorre quando a democracia representativa não esgota sua capacidade de mobilização e amplia a cidadania política criando uma relação de convivência político-social com os atores representativos da sociedade civil organizada. Uma sociedade civil emanada do exercício da cidadania política.
Não existe aventura humana sem defeitos e como dizia Dom Helder Câmara quando se sonha sozinho ainda não é um sonho, quando vários se põem a sonhar, já é uma realidade. A utopia compartilhada é que faz avançar a história. E resgate histórico sempre é necessário para avaliar e corrigir nossa trajetória e a utopia compartilhada é que nos faz avançar na concepção de um mundo mais solidário.
Marilza de Melo Foucher
Janeiro 2006-01-18
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