A Social Democracia Européia – prisioneira de suas contradições
Independente
da simpatia ou antipatia que alguns possam ter da social-democracia na Europa,
vale ressaltar que ela nasceu sob uma concepção de pluralidade política e se
apresentava como uma alternativa diante do comunismo na Europa do Leste. Ela
combatia a concepção stalinista do poder e defendia o papel do Estado na
regulação da economia, combatendo a irracionalidade e as desigualdades
engendradas pelo capitalismo.
Havia
então uma expectativa de fortalecimento ideológico da social-democracia, assim
como dos partidos socialistas enquanto via alternativa entre o capitalismo
produtor de desigualdades sociais e um socialismo dito totalitário que falhou
na organização da economia planificada e no que diz respeito à liberdade de
expressão.
Os
anos 70/80 representaram o auge da social democracia com três figuras políticas
que marcaram sua historia: Willy Brandt (Alemanha), Olof Palme (Suécia) e Bruno
Kreisky(Áustria). Nos anos 1997/98, uma onda rósea chega à União Européia que
será representada por 11 governos dos 15 então existentes.
Face
à crise ideológica do comunismo e de outro lado o avanço do capitalismo
selvagem, esperava-se que os partidos adeptos da social democracia e do
socialismo humanista pudessem ocupar este vazio político. Entretanto, os
resultados eleitorais flutuam em cada década. Mesmo não sendo majoritária, os
governos da social democracia e socialista tinham maior peso na política
econômica na Comissão Européia.
A
crise do capitalismo depredador mostrava a impossibilidade do triunfo do
mercado sobre o Estado. Sabe-se hoje que nenhuma economia pode funcionar sem o
papel do Estado, este estabelece a legislação fiscal e outras leis que regulam
e incentivam o desenvolvimento econômico do país.
Entretanto,
os partidos de esquerda que assumiram o poder nos países mais importantes da
Europa, no lugar de construirem uma visão nova no modo de fazer política e de
governar, infelizmente não tiveram coragem política e nem foram capazes de elaborar
estratégias de ação política à altura dos desafios sociais e ecológicos que
marcaram o final do século XX e o início do século XXI. O desafio seria renovar
seus programas e forjar uma alternativa política e econômica credível,
imprimindo assim, um novo modo paradigma de desenvolvimento, dentro de uma
concepção holística e mais humana.
O
constato será amargo para o eleitorado de esquerda, tendo em vista que os
governos ditos de esquerda na Europa terminaram incorporando o paradigma
neoliberal às suas identidades, no lugar de se constituírem em uma resposta
política organizada aos efeitos negativos do capitalismo. O maior erro histórico da social-democracia
foi o de não assumir completamente a esquerda reformista, e se negar de fazer o
inventário de sua trajetória governamental principalmente na década de 90 com
todas suas conseqüências. Eles terminaram compactuando com a governança mundial
inspirada nos princípios da economia neoliberal deixando de condenar a deriva
das políticas de direita da União Européia,
A
chamada terceira via de Blair e Schröder foi muito longe quanto à colaboração
com a direita européia. Eles terminaram deturpando os princípios da social
democracia e decepcionando seus aliados históricos de esquerda. A identidade
política ficou indefinida diante de uma União Européia cada vez mais
tecnocrática e neoliberal.
Para
muitos eleitores de esquerda, eles passaram a ser vistos como defensores do
livre mercado; para a ala mais à esquerda eles são considerados como
neoliberais, muito produtivista para os ambientalistas, e para os movimentos
sociais eles são vistos como destruidores do Estado Providência e dos direitos
trabalhistas. Além de não ter contribuído para emergência de um espaço
geopolítico de integração social da Europa. Com o tratado de Maastricht, a Europa Social foi
enterrada com a bendição da social democracia e dos partidos socialistas.
No
parlamento Europeu, os partidos de esquerda sempre foram incapazes de reagir de
modo articulado face à crise do capital financeiro que vem fragilizando a
Europa.
Oportunidades perdidas...
Com
a grave crise mundial que atingiu a Europa em particular desde o final de 2008,
se imaginava que desta vez, os partidos da social democracia européia e os
partidos socialistas fossem capazes de aproveitar o colapso do neoliberalismo,
para fazer um mea-culpa e apresentar uma proposta de uma a economia política de
esquerda, uma solução de alternativa política com credibilidade para o
post-crise que não é somente econômica, ela é também ecológica e política. Mas
uma vez a desilusão se ampara do eleitorado de esquerda. Se pelo menos eles
revisassem as recomendações de Keynes logicamente, sem a visão produtivista do
desenvolvimento, já seria um enorme avanço.
Esta crise do capitalismo financeiro é sem precedente, o abalo econômico
foi tanto, que os próprios adeptos mais ferrenhos do capitalismo financeiro, os
Estados Unidos reconheceram a necessidade de regulação do mercado, considerando
ainda a importância do Estado como coordenador da economia. Antes, os neoliberais consideravam o Estado
como entrave à economia, decretando sem nenhum escrúpulo a morte do
Estado-Providência. Hoje até o novo prefeito de Nova York Bill Blasio defende o
imposto como justiça social e diz que vai aumentar os impostos para os ricos,
taxar o capital especulativo.
A
social democracia e seus aliados foram incapazes de se renovar e de forjar
novos instrumentos para a construção de um projeto coletivo que atendesse os
anseios da sociedade pos-moderna. Nem tampouco eles conseguiram construir
estratégias de longo prazo baseada em alguns pilares: a regulação econômica e
distribuição, o tratamento estrutural do desemprego, a garantia da coesão
social, a sustentabilidade ambiental e tecnológica, dentro de uma abordagem
holística do desenvolvimento. Ao
contrario, os governos da social democracia e socialistas continuam
prisioneiros de suas contradições diante da ideologia neoliberal. Seus
programas de governo não se diferenciavam da gestão econômica da direita, eis
ai razão da “débâcle” política junto às camadas populares que desertaram do
campo político eleitoral.
Na França, o governo socialista que virou
social democrata centrista.
Na
France de Jaurès o termo social-democracia era considerado pejorativo, os
socialistas franceses nem todos aboliram Marx de suas referências, a critica ao
sistema soviético não lhes impediam de continuar acreditando na construção do
socialismo. Porém, o PS francês defendia um socialismo com uma visão critica ao
capitalismo, a maioria era partidário de uma economia social de mercado e de um
dinamismo do setor privado. A maioria continua defendendo um socialismo capaz
de mudar a vida das pessoas na sociedade através de leis, todavia, sempre
privilegiando o dialogo social, ou seja, uma mudança contratual.
O
atual Presidente François Hollande é hoje o candidato mais impopular da
historia da república francesa. Ele assumiu 60 compromissos chaves
que
deveria realizar durante o seu governo; mas em dois anos, segundo um
levantamento feito pelo blog de jornalistas independentes– 9 apenas foram cumpridos. http://luipresident.blog.lemonde.fr/)
Algumas
promessas feitas por um presidente têm por vezes forte conteúdo simbólico,
outras até podem não ser cumpridas por razões que podem ser justificadas em
contexto extremo de crise econômica.
Os
eleitores de esquerda votaram em Hollande sem ilusões, a questão maior era não
deixar a direita utra-conservadora voltar a governar a França por mais 5 anos.
Todavia, todos que votaram no candidato do PS esperavam um governo de maior
determinação no enfrentamento com o mundo das finanças, o principal responsável
pela desestabilização da economia mundial.
A
constatação que se faz hoje é que o
Presidente cedeu à pressão dos banqueiros, cedeu ao capital financeiro. dizia
que os ricos iriam pagar para salvar os pobres, mas nem sequer deu
aumento significativo do salário mínimo.
Seu governo só conseguiu estabelecer uma lei para taxar 75% de imposto
para os ricos, que é considerada ineficaz por grande parte dos economistas,
tendo em vista que esta medida só teria efeito real se Hollande tivesse
cumprido uma de suas principais promessas que seria de realizar uma verdadeira
reforma fiscal. Por enquanto, sua política fiscal tem tido efeito negativo
junto às camadas populares e classe média levando-as a apertar o cinto face à
crise econômica.
Mesmo
se a tendência hoje na política prima pela racionalidade e abolição de sonhos,
todo projeto político dentro de uma sociedade complexa visa a buscar soluções
capazes de ordenar de modo mais justo a vida social.
No imaginário do povo, o poder teria que ser
idealmente justo na busca do bem comum. Todavia, a política é feita de
interesses contraditórios. Porém, se a política não oferece mais nenhuma
possibilidade de sonhar e nenhum outro paradigma de desenvolvimento humano e
mais solidário, a democracia perde todo o seu sentido. O interesse do capital
não pode ser mais importante que o interesse geral, principalmente na terra
onde os direitos humanos foram proclamados.
Marilza
de Melo Foucher
Jornalista
política correspondente do Brasil em Paris
Doutora
em Economia
13
de janeiro de 2014
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